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quarta-feira, 20 de abril de 2011

[games] Jogos como ferramenta de propaganda ideológica



O videogame é o vilão da vez. Acusado de estimular o comportamento violento de crianças e jovens, roubar-lhes a inocência e vender-lhes valores questionáveis, os games recebem as mesmas acusações que receberam um dia outros modos de entretenimento e expressão pop, como a televisão, os quadrinhos, o rock e o hip hop. As críticas não partem apenas de pais, pedagogos, psicólogos, psiquiatras ou semelhantes especialistas, mas dos próprios governos. Hillary Clinton é um exemplo expressivo na cruzada contra os games. Cruzada retórica, convenhamos, pois o governo americano se beneficia demais com os dividendos do bilionário e mais lucrativo setor do entretenimento atual. Mais do que isso, usam ao seu favor justamente alguns dos fatores que mais condenam nos games: a venda de valores questionáveis e a reconstrução da memória histórica.
“Torne-se um membro da principal força terrestre mundial. Mereça ser chamado de soldado mostrando aos inimigos da liberdade que o Exército da América chegou”



O exemplo mais alarmante é decerto o game America's Army de 2002 (e suas versões mais recentes). Desenvolvido com o dinheiro do contribuinte americano (superando os 30 milhões de dólares), o jogo foi assumidamente criado pelo exército americano, e distribuido gratuitamente em sua versão full na net, com o intuito de angariar jovens ao exército americano, que sofria com uma queda sensível no número de recrutamentos voluntários. Nesse jogo muito bem desenvolvido, que já ensina noções de hierarquia, estratégia e valores militares, é natural que o horror da guerra não esteja tão presente, muito menos a vilania do exército americano em território estrangeiro. A maquiagem é pesada e funciona. Um estudo do MIT de 2008 mostra que 30% dos jovens americanos tiveram uma impressão mais positiva do seu exército nacional depois de jogar o jogo. Não há a possibilidade de não lutar nas forças americanas (como em Counter Strike, grande sucesso do gênero), e o objetivo sempre fixa o inimigo de barbas longas e pele queimada e SEMPRE em território estrangeiro. Um brinde à islamofobia! A velha visão americana de que o diferente deve ser aculturado ou destruído, embutido em divertidos games interativos e "inocentes".

Garotos iranianos

Do outro lado do globo, ao mesmo tempo, o governo iraniano está investindo muito dinheiro em setores estratégicos, e um deles é a eletrônica. Sobrou para os videogames e lá também os games são usados como ferramentas ideológicas e mecanismo de exaltação nacionalista. Em "Special Operation 85: Hostage Rescue", as tropas do país combatem forças israelenses e americanas na intenção de resgatar dois cientistas nucleares sequestrados pelo mundo ocidental. Já Quest of Persia explora a mitologia persa e a história do Irã de modo bem conveniente. Os games são taxados como bons pelos especialistas (considerando o grau de maturidade da tecnologia iraniana, claro) e devem entrar em breve no mercado europeu, apesar das sanções e dos boicotes.

Holocausto nuclear deve ser ignorado...nada de pensar na rosa hereditária
Outro problema dos videogames é a manipulação da memória histórica direcionada aos jovens imediatistas. Insistentes jogos de segunda guerra mundial, como Medal of Honor, tendem a superestimar a importância da frente ocidental no ataque ao nazi-fascismo e quase que ignorar a participação soviética, sendo que a derrota militar nazista é um feito que se deve muito mais ao Exército Vermelho e a Batalha de Stalingrado do que ao Dia D. Mais que isso, os jogos ignoram completamente o holocausto promovido contra as populações civis dos inimigos alemães, japoneses e italianos. Não há ataque nuclear, não há estupros em massa, apenas o florido estandarte da liberdade contra os bárbaros inimigos da civilização e dos direitos humanos.


A propaganda política dentro dos videogames ainda está em fase experimental, mas já mostrou sua face na última campanha presidencial americana, com propagandas de Barack Obama nos jogos da Eletronic Arts como Madden NFL, Need for Speed e Burnout. Surpreende o inédito e global apelo jovem pela "mudança" prometida pelo democrata? Nada como uma boa máscara para o "mais do mesmo" ser clamado pelas multidões que já não pensam mais no assunto. Guantánamo ainda funciona, leis de proteção ambiental seguem no plano das ideias, fracassaram as reformas migratórias. Abaixo um criativo vídeo de teor político para aqueles que gastaram muitas horas de suas vidas jogando Pokémon no Game Boy ou em emuladores:


O videogame se mostra uma ferramenta tão importante quanto a imprensa (que conta com sua incrível credibilidade na opinião pública) no nosso século XXI, não apenas pela imersão das pessoas no virtual, mas também pelo seu caráter interativo, divertido e mascarado, tendo potencial para fazer o mesmo papel que Hollywood fez pelo "American Way of Life" na Guerra Fria (em todas as ideologias, que fique claro com o exemplo iraniano), onde o entretenimento substituiu o papel da propaganda aberta. Até onde empresas e governos terão liberdade de usá-lo ao seu bel-prazer? E até quando absorveremos, encantados, a diversão cuidadosamente planejada por outrem? Ei, pare de viajar, tem um árabe atirando daquela janela, rápido, mate-o, mate-o!

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