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quinta-feira, 31 de março de 2011

[games] Gameficação - Saindo da vida para entrar no jogo

 Toylet é a nova aposta da Sega, criadora do fenômeno Sonic, no mercado japonês. Seu nome é um trocadilho em inglês com as palavras brinquedo e toalete, de onde já é possível deduzir sua funcionalidade. Tratam-se de games inseridos em banheiros masculinos, mais precisamente nos mictórios. Instalados em banheiros de bares e estações do metrô em Tóquio, os quatro jogos disponíveis interagem com o usuário a partir da medição do volume de urina além da força e precisão do jato. O sensor é conectado numa tela de LCD onde o cidadão pode conferir seu resultado, comparar desempenho e receber alguns "prêmios", como levantar a saia de uma garota virtual (estilo anime). O interesse do estabelecimento em instalar os jogos? A tela exibe anúncios publicitários que certamente receberão atenção redobrada dos usuários. Os resultados iniciais já indicam um sucesso para a empresa japonesa.

Toylet - Sega

O exemplo é icônico na análise de um fenômeno que começa a ser discutido em âmbito acadêmico: a gameficação da vida. Trata-se da transformação de tarefas (das mais comuns às mais complexas) em jogos. Em sua obra Reality is Broken, Jane McGonigal defende que precisamos compreender urgentemente o fato de pessoas, de todas as idades e por todo o globo, estarem escolhendo gastar seu tempo em universos gameficados. "A realidade, comparada com os games, está quebrada. Nós precisamos começar a fazer games para consertá-la (...) Na sociedade atual, computadores e videogames estão suprindo necessidades do ser humano que o mundo real atualmente é incapaz de satisfazer". Portanto, ele defende a tese de que se  a humanidade está saindo da vida para entrar no jogo, a única forma de impedir o esvaziamento do real em favor de universos virtuais é desenharmos a realidade pelas mesmas regras que articulam os games.


Os partidários do processo afirmam que deve-se criar uma ponte entre os gamers que gastam bilhões de dólares com a indústria do entretenimento com a nova modalidade dos jogos reais. Jogos para combater depressão, obesidade, ansiedade e déficit de atenção. Jogos para tornar as tarefas domésticas mais lúdicas e games no auxílio pedagógico dos colégios e universidades. É natural que o processo seja condenado por pensadores da contemporaneidade, que variam o tom da crítica. Os que consideram o processo legítimo mas condenam os excessos defendem que a gameficação de todos os aspectos da vida é um exagero, que nem tudo é uma piada a ser levada na brincadeira. A memória histórica e existencial não pode ser esvaziada dessa forma.



Dentre os apocalípticos, há os que analisam o caso olhando para as novas tecnologias e os que tratam a questão por uma perspectiva histórica. Mark Bauerlain em The Dumbest Generation aponta como a era digital imbecilizou a juventude americana, superficializando suas vidas. Essa geração que, apesar de obter os melhores resultados em testes de cognição (por fatores diversos como alimentação etc), não tem o hábito de ler praticamente nada e gasta quantidades assustadoras de horas vasculhando a vida alheia, ou expondo sua própria, em redes sociais. Uma geração para qual até a Guerra do Vietnã tem contornos pré-históricos, com consequente esvaziamento da lembrança (e importância) dos fatos históricos.

Por uma perspectiva histórica, a análise é que num mundo marcado pela velocidade e pelo poder da imagem, o ato de pensar é um empecilho que atrapalha a percepção deste. O lúdico eclipsa a culpa e tudo vira uma brincadeira, logo, por uma ótica pedagógica, não seria sensato gameficar a sala de aula. Uma aula sobre o holocausto não tem que ser divertida, tem que ser esclarecedora em aspectos morais. Se tudo for deixado na mão dos gamers, a memória do sofrimento judeu será convertida num divertido jogo de tribunal, onde metade dos alunos defenderão o horror nazista para ganhar o debate.

Como as empresas de games (ou as que utilizam o game como artifício de comunicação) reagirão diante desse novo cenário? A Sega já deu o tiro de largada, e seja o que Deus quizer...

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